Crimes tributários e os entendimentos fixados pelo STJ: desprezo à garantia judicial na área cível
O segundo entendimento fixado pelo STJ acerca dos crimes fiscais digno de nota é o de que as discussões na esfera cível sobre a existência ou não de dívida fiscal, em regra, não tem o condão de impedir ou paralisar procedimentos de caráter criminal.
A princípio, não se trata de posicionamento equivocado por si só. O problema é que, ao fixar esse preceito como regra geral, o STJ desconsidera situações particulares que as distinguem das demais: casos em que há a apresentação de garantia judicial na área cível.
Como é sabido, com a autuação fiscal se inicia um procedimento administrativo no curso do qual o contribuinte pode se defender e, ao final, há uma decisão sobre a exigibilidade do tributo.
No entanto, frequentemente a decisão administrativa é levada à apreciação do Poder Judiciário (por meio de ação anulatória, mandado de segurança, embargos à execução fiscal, etc.) porque, além de haver maiores meios de prova para o contribuinte, também há maiores garantias de imparcialidade de um Juiz de Direito.
No mais das vezes, porém, exige-se do contribuinte a apresentação de uma garantia judicial no exato valor do crédito tributário. Dessa forma, assegura-se ao Juízo que, ao final do processo, haverá o pagamento do tributo se este for julgado como devido.
Mas como é de senso comum, o pagamento do tributo devido extingue a investigação ou o processo criminal de sonegação fiscal.
Por consequência, nas situações em que a discussão cível sobre o tributo se encontre assegurada por garantia dotada de segurança e liquidez – como nos casos de fiança bancária, seguro garantia ou mesmo o próprio depósito em espécie –, o término do processo civil inevitavelmente ensejará o fim do correspondente criminal.
Afinal, se houver provimento da ação em favor do contribuinte, isso significará que não há tributo devido e, portanto, não haverá crime. Por outro lado, na hipótese de procedência em prol da Fazenda, a garantia apresentada servirá para quitação do tributo.
Nada obstante, a regra geral fixada pelo STJ – que foi baseada inclusive considerando casos em que havia garantia apresentada no Juízo cível – contraria essa tese já adotada em diversos Juízos em todo o país, os quais tendem a rever seus posicionamentos.
Significa dizer, a posição fixada pelo STJ e divulgada em setembro de 2021 deve ensejar mudança de entendimento por parte de Juízes, Promotores de Justiça e Procuradores da República que costumavam encerrar casos criminais quando houvesse garantia na área cível.
Some-se a isso ainda o fato de que, em razão da crise econômica decorrente da pandemia do COVID-19, a necessidade de arrecadação dos Estados e da União se tornou ainda mais relevante.
E diante da divulgação do entendimento do STJ ora sob análise, a tendência é que cada vez menos seja aceita a garantia judicial como forma de encerrar a discussão criminal. Isso porque, dessa forma, haveria maior estímulo (senão coação) para se realizar o imediato pagamento de tributos com a finalidade de se evitar uma investigação ou um processo de natureza criminal.
Nesse sentido, aliás, chama a atenção a instituição no Estado de São Paulo do Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos. Trata-se de iniciativa conjunta da Procuradoria Geral do Estado, da Secretaria da Fazenda e do Ministério Público de São Paulo e que possui como objetivo institucional “o enfrentamento da atual macrodelinquência tributária sistemática”.
Em suma, além de aumentar o rigor na interpretação dos crimes tributários, o entendimento fixado pelo STJ parece também estimular o indevido propósito arrecadatório do direito penal.
Leia a primeira parte do artigo sobre a maior responsabilização dos sócios administradores.
Imagem: Marcos Santos/USP Imagens