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De acordo com a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei n. 9.613/1998), determinados entes privados possuem o dever de colaborar com as autoridades públicas no combate ao crime em questão. É o caso de instituições financeiras, empresas que atuam na gestão de fundos, que participam na compra e venda de imóveis, que se utilizam de cartão que permita a transferência de recursos, que comercializam joias, objetos de arte ou outros bens de luxo/alto valor, e outras1.

Para tanto, as entidades em questão são obrigadas por lei – e por isso são comumente referenciadas como “pessoas obrigadas” – a manter registros detalhados dos usuários de seus serviços, bem como comunicar eventuais atividades suspeitas ao COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

O COAF, por sua vez, é o órgão governamental de inteligência financeira ao qual cabe receber, examinar e identificar as ocorrências de lavagem de capitais. Então, quando o COAF identifica fundados indícios de lavagem de dinheiro a partir das informações apresentadas pelas pessoas obrigadas, são elaborados os chamados Relatórios de Inteligência Financeira (“RIFs”).

Nesse esteio, os RIFs constituem importante instrumento para subsidiar as investigações acerca da possível prática do crime de lavagem de dinheiro por meio do seu compartilhamento pelo COAF ao Ministério Público ou à Polícia.

Ocorre que, no início do último mês de abril (2024), o Supremo Tribunal Federal (“STF”) sedimentou entendimento que facilita ainda mais o compartilhamento dos RIFs com as autoridades criminais e tende a aumentar o número de investigações referentes ao crime de lavagem de capitais.

De fato, já no ano de 2019 o STF decidiu que compartilhamento dos RIFs pelo COAF com as autoridades de investigação criminal independe de autorização judicial prévia2. Contudo, naquela ocasião o tema foi analisado em conjunto com outro tema que recebeu a maior atenção da Corte – isto é, a possibilidade de compartilhamento de dados fiscais pela Receita Federal.

Por consequência, como nesse julgamento não houve maior aprofundamento sobre o tema dos RIFs, desde então persistiam dúvidas sobre o alcance dessa decisão em diferentes situações analisadas pelos diversos Tribunais do país.

Em determinado caso, por exemplo, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (“TJRJ”) e o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) divergiram sobre a possibilidade de que as autoridades criminais (Ministério Público e Polícia) requisitassem a elaboração de RIFs ao COAF e, somente depois disso, fosse efetivamente instaurada uma investigação com os resultados dessa atividade. Então, coube ao próprio STF pacificar a questão decidindo que tal solicitação somente pode ocorrer quando já há uma investigação formal previamente instaurada3.

No entanto, o questionamento sobre o tema que ganhou maior destaque desde então foi uma decisão proferida em 2023 pelo STJ. Nessa ocasião, ao buscar definir limites mais precisos ao vago posicionamento do STF, o STJ reputou que o compartilhamento de RIFs sem autorização judicial prévia apenas seria autorizado quando o COAF o realizasse espontaneamente, mas não quando as autoridades criminais (Ministério Público e Polícia) o requisitassem.

Em outros termos, o STJ decidiu que o COAF poderia compartilhar RIFs sem a autorização judicial prévia se o fizesse por sua própria iniciativa, ao verificar movimentações atípicas que poderiam caracterizar crimes no regular exercício de suas funções. Já no caso de RIFs elaborados ou compartilhados a pedido específico das autoridades investigativas, o envio desses documentos pelo COAF deveria ser precedido de análise do Poder Judiciário.

No mês de abril de 2024, porém, esse entendimento do STJ foi definitivamente rechaçado pelo STF. Com efeito, ao analisar impugnação apresentada pelo Ministério Público Federal, o STF reputou constitucional o compartilhamento de RIFs sem prévia autorização judicial seja por meio do envio espontâneo pelo COAF, seja por meio de solicitação de órgãos para fins criminais4.

E embora o STF tenha reconhecido que a única condição para que o COAF compartilhe RIFs com autoridades criminais sem a autorização do Poder Judiciário seria a prévia existência de uma investigação, até mesmo essa ressalva parece ter sido flexibilizada após a decisão de abril de 2024 do STF.

Isso porque, em decisão proferida já no mês seguinte (maio/2024), o STJ decidiu que mesmo a existência prévia de um inquérito policial não seria uma condição indispensável para o compartilhamento dos RIFs sem autorização judicial5.

Assim, ainda que seja questionável a facilitação do acesso a informações tão sensíveis à intimidade sem a necessidade de autorização judicial, não se pode ignorar que já há uma posição definitiva adotada pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário sobre o tema. E como consequência, o grau de exposição das pessoas frente a investigações criminais se torna ainda mais elevado.

1 – Cuida-se das pessoas físicas e jurídicas indicadas no artigo 9º, do referido diploma legal.
2 – Trata-se do julgamento do Tema 990, que fixou a tese de repercussão geral de que é constitucional o compartilhamento dos RIFs
com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser
resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional. Ainda,
também se fixou que o compartilhamento dos RIFs deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de
sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.
3 – STF, HC 201.965/RJ, Relator Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 30/11/2021.
4 – STF, AgRg na RCL61.944/PA, Relator Ministro Cristiano Zanin, Primeira Turma, julgado em 02/04/2024.
5 – STJ, RHC 188.838/PE, Relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 21/05/2024.