Garantia integral do crédito tributário em juízo e encerramento da investigação criminal: nova posição institucional do Ministério Público Federal
Há mais de uma década não se verifica uma resposta unívoca para a seguinte questão: a apresentação de garantia integral do tributo discutido no juízo cível – no âmbito de execução fiscal, ação anulatória ou qualquer outro meio de questionamento do crédito tributário – produz ou não algum efeito sobre a apuração do crime de sonegação fiscal relativa ao mesmo tributo?
Considerando que o pagamento do tributo enseja a extinção da punibilidade do crime de sonegação fiscal, em tese a sua garantia integral em juízo ensejaria necessariamente o encerramento do procedimento criminal ao término do processo cível. Afinal, ou a pretensão do contribuinte será julgada procedente e o tributo considerado indevido (afastando a ocorrência de sonegação fiscal), ou o seu pleito será improvido e a garantia liquidada (extinguindo a punibilidade do crime em razão da quitação do crédito tributário). Assim, uma vez que não há outro deslinde possível, a persecução penal estaria inevitavelmente fadada ao insucesso e, por isso, não haveria utilidade em sua continuidade.
Contudo, uma vez que não há previsão legal específica sobre a apresentação da garantia como hipótese de extinção ou suspensão da investigação criminal (como há para os casos de pagamento ou parcelamento), ainda subsiste bastante resistência para se encerrar a persecução penal de antemão.
Em face de tal cenário, o que se verifica na praxe forense é um tratamento bastante oscilante sobre o tema: há autoridades que defendem o imediato arquivamento da investigação criminal por falta de justa, assim como há outras que rechaçam essa hipótese por ausência de fundamento normativo.
Nesse contexto, especial destaque merece a atuação do Ministério Público – instituição responsável pelo controle da atividade investigativa, bem como pela decisão de iniciar um processo criminal ou arquivar a investigação. Assim, a depender do órgão (Ministério Público Estadual ou Federal), do local ou até do membro responsável em uma mesma localidade, a solução no caso concreto pode ser o arquivamento do procedimento criminal ou a sua continuidade até que haja o efetivo encerramento da discussão cível.
Em suma, há anos se verifica um cenário de extrema insegurança jurídica sobre os eventuais efeitos penais da garantia no valor integral do tributo no juízo cível.
Ocorre que, no último mês de setembro, foi externada a posição institucional do Ministério Público Federal (MPF) em favor do entendimento de que a garantia do crédito tributário no juízo cível justifica o arquivamento da apuração criminal.
Trata-se, com efeito, do resultado de deliberação realizada pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão (2ª CCR), órgão composto por três Subprocuradores-Gerais da República e que é incumbido de promover a integração e a coordenação dos órgãos institucionais atuantes em ofícios criminais, bem como de elaborar e divulgar informações técnico-jurídicas a propósito de determinado tema para nortear a atuação de todos os órgãos do MPF.
E foi no exercício de tais atribuições – ao apreciar uma consulta sobre o tema realizada por integrante do MPF em face da argumentação apresentada por nosso escritório no curso de investigação sobre suposta sonegação fiscal[1] – que a 2ª CCR revelou seu firme entendimento de que “inexiste justa causa para o prosseguimento da persecução penal, quando garantida a execução, por meio do seguro-garantia”, o que se justifica pela “falta de necessidade e utilidade da persecução penal, pois em qualquer das soluções de mérito a que se chegue no Juízo Federal ocorrerá a extinção da ação penal”.
Assim, o órgão se posicionou favoravelmente à “solução de arquivamento dos autos nos casos de oferecimento de garantia de pagamento por meio da apresentação de seguro-garantia em sede de embargos à execução fiscal”[2].
Portanto, essa nova posição institucional do MPF tem o condão de alterar o cenário de incerteza na praxe forense com a fixação de um entendimento claro e preciso a ser seguido por representantes do Ministério Público em todo o país – e assim evitar a injusta (e infelizmente comum) persecução criminal de inúmeros contribuintes em razão da cobrança de tributos cuja legitimidade é discutida (e garantida) na seara judicial pertinente.
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[1] Conforme noticiado em: https://www.conjur.com.br/2022-set-10/seguro-garantia-execucao-afasta-justa-causa-decide-orgao-mpf.
[2] Trata-se do Processo 1.00.000.012558/2022-04, apreciado na 209ª Sessão de Coordenação da 2ª CCR, realizada em 05/09/22.