Crimes tributários e os entendimentos fixados pelo STJ: maior responsabilização de sócios administradores
Nos últimos anos, tem sido fartas as demonstrações de maior rigor na investigação e processamento de crimes tributários.
Em 2019, por exemplo, os participantes do 1º Encontro Nacional dos Promotores de Justiça da Ordem Tributária divulgaram um documento intitulado “Carta de Florianópolis”, no qual consta uma dezena de enunciados sugerindo interpretações das leis que tornam mais rígidas as punições aos crimes tributários.
No ano seguinte, 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) referendou o entendimento de que o não recolhimento ao erário de ICMS devidamente declarado – ou seja, sem qualquer tipo de fraude – é apto a configurar crime fiscal (art. 2º, da Lei n. 8.137/90).
E a confirmar de vez essa tendência repressiva em face dos crimes contra a ordem tributária, em setembro do presente ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou entendimentos jurídicos por este consolidados que deixam ainda mais claro esse rigor.
Nesse contexto, especial atenção merecem os referidos entendimentos porque o STJ é responsável pela uniformização da interpretação das leis federais. Isso significa, portanto, que os posicionamentos jurídicos destacados pelo STJ devem servir como orientação para todos os Juízes do país.
Dentre todos os posicionamentos firmados pelo STJ, dois deles são dignos de maior destaque em razão do seu grande potencial de impactar negativamente a atividade empresarial.
Inicialmente, enfatiza-se o entendimento de que “todos os sócios administradores possuem o dever de evitar o resultado”, independentemente de “apenas um dos sócios administradores exercer, rotineiramente, a administração financeira empresarial”, pois este “não poderia proceder à omissão fraudulenta de recolhimento de tributos e à prestação de informações falsas sem a ciência e o consentimento dos demais”.
Em outros termos, para o STJ todos os sócios administradores respondem pela prática de crime tributário, mesmo que apenas um deles seja o responsável pela área tributária e que os outros sequer possuam conhecimento sobre o não recolhimento do tributo. Isso porque, em tese, todos os sócios administradores teriam um dever de evitar a prática de crimes fiscais por meio da empresa.
E mais. A lei prevê que as acusações criminais devem descrever o que cada acusado, individualmente, fez (ou deixou de fazer) e que configuraria um crime. Trata-se, afinal, de condição básica para que o acusado saiba exatamente do que deve se defender.
No entanto, o STJ ainda estabeleceu que, no caso de crimes tributários, isso não é necessário. Assim, admite-se a acusação genérica – sem individualizar as condutas – que, “ainda que de maneira sutil”, “estabelece a plausibilidade” da acusação.
Consequentemente, o STJ facilitou a elaboração de acusações em face de crimes tributários às custas das garantias dos acusados.
Trata-se de posicionamentos bastante questionáveis, em especial porque afrontam princípios básicos de direito penal – além de ignorar por completo a prática das atividades empresariais –, mas que, atualmente, estão pacificados pelo STJ e devem ensejar o aumento no número de acusações contra sócios administradores.
Leia a segunda parte do artigo sobre o desprezo à garantia judicial na área cível.
Imagem: Marcos Santos/USP Imagens