Prestes a completar seis meses de vigência, a nova Lei de Agrotóxicos (Lei n. 14.785/2023) trouxe importantes alterações na regulação do produto e, inclusive, com reflexos na área penal. Isso porque os crimes previstos na lei até então vigente (Lei n. 7.802/89) sofreram substanciais mudanças.
De início, vale destacar o crime previsto no art. 15 da lei revogada, o qual previa a pena de reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa para “aquele que produzir, comercializar, transportar, aplicar, prestar serviço, der destinação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente”.
Já com a nova lei, a conduta recriminada passou a ser “produzir, importar, comercializar ou dar destinação a resíduos e a embalagens vazias de agrotóxicos, de produtos de controle ambiental ou afins em desacordo com esta Lei”, mantendo-se a pena de reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.
Mas em que pese as previsões legais em questão possam parecer semelhantes em uma primeira leitura, na verdade houve duas substanciais alterações:
- A nova lei não inclui as condutas de “aplicar” e “prestar serviços” com agrotóxicos em desacordo com a lei como crime;
- A nova lei incluiu a conduta de “importar” agrotóxicos em desacordo com a lei como crime.
Além disso, a nova lei também trouxe outras importantes inovações:
- A criação de um novo crime específico para determinadas condutas (produzir, armazenar, transportar, importar, utilizar ou comercializar) relacionadas a agrotóxicos não registrados ou não autorizados, atribuindo-lhe a elevada pena de 3 (três) a 9 (nove) anos, e multa;
- A abolição do crime previsto no art. 16 da Lei n. 7.802/89, que se aplicava ao empregador, profissional responsável ou prestador de serviço que deixasse de promover as medidas de proteção à saúde e ao meio ambiente.
Diante de tal cenário, é certo que o que mais salta aos olhos é que a partir de 27 de dezembro de 2023 a importação de agrotóxicos em desacordo com a lei passou a ser crime, assim como passaram a ser específica e severamente punidas condutas atinentes a agrotóxicos não registrados ou não autorizados.
Contudo, idêntico ou até maior relevo parece ter a exclusão das condutas de “aplicar” e “prestar serviços” anteriormente previstas de forma expressa na lei revogada, assim como a suposta abolição do crime de deixar o empregador, o profissional responsável ou o prestador de serviço de promover as medidas de proteção à saúde e ao meio ambiente (art. 16 da Lei n. 7.802/89).
Afinal, essas mudanças significam que não é mais crime “aplicar” ou “prestar serviços” com agrotóxicos em desacordo com a lei?
Ou isso implica que essas condutas passam a ser abrangidas pelo crime previsto no art. 56 da Lei Ambiental (Lei n. 9.605/98), o qual prevê a pena de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa a quem “produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos”?
E aqueles que respondiam um processo criminal sob a acusação de “aplicar” ou “prestar serviços” com agrotóxicos em desacordo com a lei antes da vigência da nova regulação legal, devem ser imediatamente absolvidos por que houve uma abolição do crime ou continuarão respondendo à ação penal?
Por outro lado, os empregadores, profissionais responsáveis ou prestadores de serviço não mais serão responsabilizados criminalmente caso deixem de promover as medidas de proteção à saúde e ao meio ambiente? Ou essas pessoas estarão sujeitas ao art. 68 da Lei Ambiental, a qual prevê como crime “deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental”?
Mas apesar da patente relevância de tais questionamentos, passados quase seis meses de vigência da nova Lei de Agrotóxicos tais questões ainda seguem pendentes de um posicionamento pacífico pelos Tribunais. Por ora, todavia, o que se evidencia é um preocupante estado de insegurança jurídica a respeito dos crimes relacionados aos produtos classificados como agrotóxicos.