Ministério Público e investigação criminal: novas diretrizes e procedimentos
Em maio deste ano, ao julgar três ações que questionavam a legitimidade do Ministério Público para conduzir investigações criminais sem a participação da Polícia1, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) definiu importantes critérios a serem observados nos procedimentos investigativos dessa natureza.
De início, o julgamento em comento ratificou que a Polícia não possui exclusividade na realização de investigações. Assim, o STF reafirmou que é legítima a investigação criminal promovida diretamente pelo Ministério Público por meio de um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) – procedimento que é conduzido pelo próprio órgão e que possui o mesmo objetivo de um Inquérito Policial, isto é, buscar elementos probatórios acerca de um possível crime.
Mas ainda mais importante é que, nessa mesma ocasião, a Corte Suprema também estabeleceu uma série de novas regras a serem observadas pelo Ministério Público para que os direitos e garantias dos investigados sejam assegurados em tais procedimentos investigatórios.
De fato, além de prever de forma mais ampla a obrigatoriedade de se observar as prerrogativas dos advogados e do controle judicial dos atos, o STF ainda impôs expressamente regras mais específicas a serem seguidas, tais como:
- a comunicação imediata ao Juiz competente sobre a instauração e o encerramento do PIC, com o devido registro e distribuição;
- a observância dos mesmos prazos e regramentos previstos para conclusão de inquéritos policiais;
- a extensão do prazo para a continuidade das investigações dependerá de autorização do Juiz, vedando-se renovações desproporcionais ou imotivadas;
- as perícias técnicas que podem ser solicitadas pelo Ministério Público devem ser efetuadas por peritos dotados de autonomia funcional, técnica e científica.
Assim, denota-se que a decisão do Plenário do STF representa importante marco ao estabelecer regras claras sobre a investigação conduzida pelo Ministério Público – tal como já existe em relação às investigações policiais –, bem como para garantir os direitos à ampla defesa e devido processo legal do investigado.
E essa clareza se revela de importância especial quando se observa que, em relação a outra decisão proferida pelo STF também relativa às atividades do Ministério Público, parece ter sido justamente a falta de detalhamento a causa de inúmeras dúvidas – e, por consequência, grande insegurança jurídica.
Trata-se de decisão proferida ainda no ano de 20232 que, entre outros pontos, assentou um novo procedimento no arquivamento de investigações criminais.
Com efeito, até a publicação do referido julgamento ocorrida em 19/12/23, toda a manifestação de arquivamento de uma investigação policial elaborada pelo Ministério Público deveria ser necessariamente homologada por um Juiz.
Mas a partir dessa data, ficou estabelecido que a manifestação do Ministério Público sobre o arquivamento de uma investigação criminal “deve” ser comunicada à vítima e à Polícia, ao passo que apenas “pode” ser enviada a órgão superior interno para fins de homologação. Ainda, reconheceu-se também que a vítima possui o direito de recorrer do arquivamento no prazo de 30 (trinta) dias a contar de sua comunicação a respeito dessa manifestação.
Ocorre que, com essa mudança, alterou-se um panorama que subsistia desde 1941 – e com o qual os operadores do direito não apenas já estavam habituados, mas principalmente preparados (inclusive estruturalmente).
Soma-se a isso, ainda, a inexistência de uma definição precisa de como deve ser feita a comunicação à vítima (por e-mail ou por oficial de Justiça) e por quem (pelo Ministério Público ou pelo Juízo), se o envio da manifestação de arquivamento ao órgão superior do Ministério Público para homologação é uma mera possibilidade ou uma obrigação, assim como quem seria o representante da vítima em casos de crimes que afetam bens supraindividuais (como o meio ambiente, a fé pública, a ordem econômica, etc.).
E como consequência, o que se tem observado na praxe forense desde então são procedimentos diversos a depender do local onde ocorram: há comarcas em que a comunicação da vítima é realizada por e-mail pelo Ministério Público, outras em que o Juízo se incumbe dessa comunicação; há Ministérios Públicos que já possuem um procedimento estabelecido em normativas claras, outros que nada dispõem a respeito do tema; e há, inclusive, localidades onde a nova regra sequer é observada, com a homologação do arquivamento realizada pelo próprio Juiz (conforme a lei revogada) e sem comunicação à vítima.
Dessa forma, atualmente sequer é possível saber com precisão como a promoção de arquivamento de uma investigação policial pelo Ministério Público será tratada e quando o caso poderá ser definitivamente encerrado.
Portanto, ainda que haja novas e importantes diretrizes no que atine ao papel do Ministério Público nas investigações criminais – seja para conduzi-las, seja para promover seu arquivamento –, uma série de indefinições ainda persistem e causam uma considerável insegurança jurídica aos investigados.
1 – Trata-se das ADIs 2.943, 3.309 e 3.318, as quais questionavam regras do Estatuto do Ministério Público da União (Lei
Complementar 75/1993), da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/1993) e da Lei Orgânica do Ministério Público
de Minas Gerais, uma vez que todas essas normativas preveem ser o Ministério Público autorizado a realizar investigações criminais.
2 – Em sede de julgamento conjunto das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, as quais questionavam diversas regras do Pacote Anticrime
– Lei n. 13.964/2019.