Direito Penal

Corrupção privada: novo projeto de lei reacende o debate sobre a necessidade de ser tratada como crime


A criminalização da corrupção privada é tema de constante e antigo debate em nosso país. De fato, tanto no Senado Federal, quanto na Câmara dos Deputados, diferentes projetos de lei que visam regulamentar a matéria ainda se encontram atualmente em tramitação – um deles desde 2012, inclusive 1. Mas apesar disso, um novo projeto de lei foi recentemente apresentado na Câmara dos Deputados e o assunto tende a voltar à pauta do dia.

Trata-se do Projeto de Lei (“PL”) n. 576/2023, que foi apresentado à Câmara dos Deputados em fevereiro de 2023 e que, no final de abril, foi anexado a outro PL que trata do exato mesmo tema e hoje tramita como PL n. 3163, de 2015 – o qual deve voltar a ter andamento com a apresentação da nova proposta.

Mas apesar de não se tratar de um tema novo, a possibilidade de tornar crime a prática de atos de corrupção entre agentes do setor privado merece uma nova atenção considerando o atual contexto político-social – em que o termo “corrupção” passou a carregar uma conotação que não possuía no passado.

Nesse contexto, é sabido que o crime de corrupção no Brasil se refere apenas a funcionários públicos – seja como autores da solicitação ou recebimento de vantagem indevida (corrupção passiva), seja como destinatários do oferecimento ou promessa para praticar um ato de ofício (corrupção ativa) – e leva em consideração apenas os eventuais danos à Administração Pública.

Contudo, em nossa legislação não se verifica dispositivo semelhante tornando crime a mesma prática quando verificada no âmbito de relações entre particulares. Ocorre que, à toda evidência, o pagamento de propina ou suborno entre partes privadas também causa impactos negativos relevantes.

Tomando-se como exemplo o fornecedor que paga à pessoa física responsável de empresa fabricante para que o seu produto seja escolhido em detrimento dos concorrentes, salta os olhos o dano causado (1) à ordem econômica – isto é, à livre concorrência no mercado dos fornecedores – e (2) ao patrimônio da empresa fabricante – que adquire insumo por preço formado em condições de mercado desvirtuadas (não justo) e é vítima de deslealdade de seu funcionário.

Assim, especialmente se considerado o atual contexto de valorização da ética e integridade dentro das companhias, parece ainda mais importante que esse tipo de comportamento seja devidamente previsto em nossa lei penal.

Até porque, no atual cenário jurídico, as vítimas de corrupção privada carecem de uma proteção legal adequada. Com efeito, diante de uma situação como a descrita, criminalmente é preciso recorrer a outras figuras delitivas como o “estelionato” ou à apropriação indébita”.

Todavia, as previsões legais desses crimes não se adequam exatamente aos fatos, o que no mais das vezes costuma levar ao insucesso de uma responsabilização no âmbito penal.

De outro lado, também se revela importante a previsão legal da corrupção privada para definir exatamente qual é a conduta recriminada, até para se estabelecer os limites entre o que é antiético e o que é ilegal, sob pena de que a primeira situação seja tratada como crime e enseje uma perseguição excessiva, acusações indevidas ou penas injustas por parte das autoridades – em linha com a estigmatização do termo “corrupção” nos últimos anos.

Enfim, com a apresentação de novo projeto de lei em 2023 se espera que a corrupção privada venha finalmente a ser prevista como crime em breve – o que, além de responder a uma demanda social, também representaria o atendimento ao compromisso assumido pelo Brasil ao assinar a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção de adotar medidas legislativas necessárias para qualificar como crime a corrupção no âmbito das relações privadas.

Imagem: Freepik

[1] Trata-se do Projeto de Lei do Senado (PLS) n. 236/2012, que se destina a instituir um novo Código Penal e inclui a corrupção privada como crime em sua parte especial.