A incorporação de empresas enseja a “morte” da incorporada e impede a responsabilização criminal da incorporadora
Em decisão disponibilizada no final do mês de setembro o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou o entendimento de que a incorporação de empresas impossibilita que a incorporadora seja responsabilizada por crime[1] atribuído à incorporada, cuja extinção se equipararia à “morte” de uma pessoa física.
Trata-se de posicionamento da 3ª Seção do STJ, órgão colegiado especializado em direito penal de maior hierarquia do Tribunal responsável por uniformizar o entendimento em matéria criminal sobre leis federais. Isso significa, portanto, que se trata de decisão que deve nortear a atuação de Juízes em todo o país.
No caso concreto analisado pelo STJ (Recurso Especial n. 1.977.172/PR), o Ministério Público recorrera de decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Paraná, que deu razão ao pedido de empresa incorporadora para extinguir o processo criminal diante da incorporação da empresa acusada no caso.
O que se avaliou na ocasião foi, de um lado, o chamado princípio da intranscendência da pena, que decorre do texto constitucional ao prever que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (art. 5º, XLV). E de outro, considerou-se a regulamentação legal das operações de incorporação, em especial a seguinte previsão do Código Civil: “aprovados os atos da incorporação, a incorporadora declarará extinta a incorporada” (art. 1.118).
Em face de ponderação sobre tais dispositivos normativos, então, prevaleceu a tese de que a responsabilidade criminal atribuída à empresa incorporada não é passível de sucessão pela empresa incorporadora, já que a sua extinção se equipara à morte da pessoa natural e esta enseja a extinção da punibilidade (conforme previsto no art. 107, inciso I, do Código Penal).
No entanto, duas circunstâncias de tal julgamento são dignas de destaque.
Em primeiro lugar, é preciso salientar a expressa ressalva na decisão de que esse entendimento não se aplica quando houver fraude na incorporação ou, mesmo sem fraude, a incorporação for realizada como forma de escapar à responsabilização penal. Assim, busca-se impedir que a operação societária seja utilizada como uma manobra para evitar o cumprimento da pena. Mas caso tal manobra seja constatada, o STJ sugere a possibilidade de “desconsideração ou ineficácia da incorporação em face do Poder Público”.
Por outro lado, não se pode deixar de destacar que a decisão em questão se formou com apertada maioria. De fato, ao passo que 4 Ministros da 3ª Seção se posicionaram favoravelmente ao referido entendimento, outros 4 Ministros se opuseram a ela e, por isso, a posição final foi definida por meio de voto desempate proferido pelo Ministro Presidente.
Diante dessa controvérsia, somada à relevância do tema, não se pode descartar a possibilidade de que a decisão seja objeto de nova apreciação – desta feita pelo Supremo Tribunal Federal (STF), instância acima do STJ.
De todo modo, essa é a atual e definitiva posição do STJ, que possui validade imediata. Por consequência, esse importante posicionamento desde já pode ser aplicado a quaisquer casos em que se atribuem crimes ambientais a uma empresa que foi posteriormente incorporada – desde que, evidentemente, a operação não tenha ocorrido por meio de fraude ou com o propósito específico de evitar a sua responsabilização criminal.
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[1] Único crime que, conforme a lei brasileira, pode ser atribuído à pessoa jurídica.