O crime de cartel e a data de sua consumação: pacificação do STJ
Há muitos anos se discute no âmbito jurídico se o crime de cartel se configura por um ato instantâneo – o acordo entre concorrentes –, cujos efeitos perduram no tempo, ou se se trata de uma conduta que se prolonga por todo o período em que se verifica o resultado, enquanto o ajuste permanece valendo.
Embora a discussão tenha grande viés acadêmico, seus reflexos práticos são de grande relevância. Em especial, destaca-se o momento em que se considera a consumação do crime, a data em que ele teria ocorrido.
Isso porque, considerando primeira hipótese (crime instantâneo), a ocorrência do crime se daria na data em que se realizou uma aliança entre concorrentes, ao passo que todo o período que se seguiu seria um mero desdobramento.
Já no segundo caso (crime permanente), o dia da consumação do crime seria a data em que o acordo foi interrompido, cessando seus efeitos.
Exemplifica-se com um exemplo ilustrativo: concorrentes de um determinado mercado relevante se associaram para fixar seus preços de forma combinada no ano de 2005 e mantiveram esse ajuste até 2010. De acordo com a primeira visão a data do crime seria 2005, ao passo que para a segunda seria 2010.
Diante de tal quadro, uma vez que a prescrição criminal leva em consideração a data da consumação do crime, há importantes consequências caso se adote um ou outro entendimento. Seguindo o exemplo em questão, se considerado o cartel como crime instantâneo, em tese a prescrição ocorreria em 2017 . Já se reputado permanente, o crime estaria prescrito apenas em 2022.
Em novembro de 2021, tal questão finalmente foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), responsável pela uniformização de entendimentos.
E por ocasião do julgamento da matéria (ARESP n. 1.800.334/SP), a Sexta Turma do STJ entendeu que, em regra, o crime de cartel é instantâneo, consumando-se no momento em que se celebra o ajuste entre os concorrentes.
No entanto, na ocasião também se consignou que, quando no caso concreto houver renovação do ajuste (por meio de novos encontros, troca de informações, etc.), o crime será considerado permanente.
Embora a decisão possa ser considerada questionável em relação a diversos aspectos técnico-jurídicos, não se pode ignorar a sua relevância por finalmente trazer mínima segurança para uma incerteza jurídica de anos.
1 Diz-se em tese, pois o tema da prescrição penal possui diversas nuances que podem alterar o cálculo do prazo. Assim, é importante pontuar que, para simplificar a ilustração, no exemplo se considera a hipótese de não haver um recebimento da denúncia antes das datas apontadas. Isso porque, o recebimento da denúncia, implica a interrupção do prazo prescricional, iniciando novo período e alterando a data de prescrição.
Trata-se da Ação Direta de Constitucionalidade n. 4.980.
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