Redução a situação análoga à de escravo: agravamento na responsabilização criminal em face da ampla repercussão de casos recentes
Nos últimos meses, não foram raras as vezes em que a expressão “trabalho escravo” estampou as manchetes dos jornais ao se noticiar recentes descobertas de trabalhadores em circunstâncias de trabalho degradantes. E nesse contexto, muito também se falou sobre a possível prática de crime.
Isso porque, de fato, os empregadores podem ser responsabilizados pelo crime de “redução a condição análoga à de escravo” quando houver (1) a submissão a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, (2) a restrição por qualquer meio de locomoção em razão de dívida ou (3) a sujeição a condições degradantes de trabalho. É o que prevê o artigo 149 do Código Penal, que
atualmente prevê uma pena de reclusão de 2 a 8 anos, além de multa.
À toda evidência, as recentes notícias divulgadas pela imprensa retratam situações graves que merecem proteção por parte de nossa legislação. Ocorre que, como costuma suceder após eventos geradores de comoção social, desde logo já se verificam medidas que refletem um aumento no rigor em relação ao crime em questão.
Nesse contexto, no mês de abril a Procuradoria-Geral da República (“PGR”) apresentou no Supremo Tribunal Federal (“STF”) um pedido para que o crime de redução a condição análoga à de escravo seja considerado imprescritível1 , isto é, que possa ser investigado e punido sem nenhuma limitação temporal.
E como justificativa, a PGR destaca entre outros pontos que houve alta recorde de 124% no número de trabalhadores resgatados em condições análogas à de escravidão em 2023, quando comparado ao mesmo período de 2022.
Paralelamente, o cenário atual também recoloca na pauta do dia antigas iniciativas. É o caso do denominado “Tema n. 1.158”, que já foi reconhecido pelo STF como de repercussão geral – ou seja, que se refere a uma discussão cuja solução deve ser aplicada para casos futuros – e há anos aguarda análise futuros – e há anos aguarda análise .
Em breves linhas, o objeto do Tema n. 1.158 é a legitimidade (constitucional) de diferenciar as condições de trabalho em função da realidade local em que é desempenhado – distinguindo trabalho no campo e na cidade, por exemplo – para definir concretamente o que seriam “condições degradantes de trabalho” para configurar o crime de redução a condição análoga à de escravo.
Trata-se de matéria relevante porque, em inúmeras ocasiões, Tribunais e Juízes diversos do país reconhecem que as condições de trabalho em áreas rurais são naturalmente mais severas que aquelas desempenhadas em área urbana. Assim, ao analisar o conceito de “condições degradantes de trabalho” para apreciar o crime de redução a condição análoga à de escravo, certas situações comuns no trabalho rural (como exposição a intempéries, instalações sanitárias rústicas, etc.) não seriam suficientes para caracterizar crime.
E embora o tema em questão aguardasse julgamento desde agosto de 2021, em 30.03.23 a PGR apresentou pedido de preferência no julgamento. Por isso, a matéria tende a ser apreciada pelo STF nos próximos meses – ao que tudo indica em razão da ampla repercussão dos recentes casos noticiados na imprensa.
Diante de tal quadro, parece claro que a resposta ao midiático caso envolvendo condições degradantes de trabalho será uma interpretação mais rigorosa em relação ao crime de redução a condição análoga à de escravo.
Imagem: Freepik
[1] Trata-se da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 1053.
[2] O caso concreto que originou o tema foi o Recurso Extraordinário n. 1.323.708/PA, que julga detentores de fazendas no Pará quanto às alegações de submeter/reduzir seus funcionários a condição análoga à de escravo no ambiente rural, e teve sua repercussão geral reconhecida pelo STF em 07.08.21.