Novos capítulos sobre a possibilidade de compartilhamento de RIFs com as autoridades criminais sem autorização judicial
Na última edição de nossa Newsletter1, destacou-se que em abril de 2024 o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisão destinada a dar fim à insegurança jurídica que pairava nos Tribunais acerca do compartilhamento dos Relatórios de Informação Financeira (RIFs) elaborados pelo COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) para fins criminais.
Como já é de domínio público, os RIFs consistem em documentos elaborados pelo COAF quando identifica fundados indícios de lavagem de dinheiro. E como subsídio para sua elaboração, o órgão se pauta em informações enviadas por instituições financeiras, empresas que atuam na gestão de fundos, na compra e venda de imóveis, joias, objetos de arte ou outros bens de luxo/alto valor, que se utilizam de cartão que permita a transferência de recursos e outras.
Diante desse quadro, por anos se discutiu a possibilidade de compartilhar tais relatórios com as autoridades responsáveis pela persecução criminal sem a autorização de um Juiz e as circunstâncias desse compartilhamento.
Afinal, os RIFs contêm dados sensíveis (relativos à intimidade) que são enviados ao COAF pelos entes obrigados sem a autorização de seus titulares. Logo, o compartilhamento de tais dados inevitavelmente gera discussões sobre a eventual necessidade de controle do Poder Judiciário.
Então, com o julgamento realizado em abril de 2024, o STF reputou legítimo o compartilhamento de RIFs sem prévia autorização judicial tanto por envio espontâneo pelo COAF, quanto por solicitação de órgãos criminais. E para tanto, a única condição estabelecida na ocasião seria a prévia existência de uma investigação formalmente instaurada pelos órgãos criminais.
Portanto, diante do entendimento sedimentado pelo STF, a simples existência de um procedimento formal de investigação já autorizaria que as autoridades criminais tivessem acesso aos RIFs sem qualquer tutela do Poder Judiciário. Muito pouco tempo depois, entretanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu decisão que indicou alguma limitação do entendimento fixado pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário acerca do compartilhamento de RIFs.
Isso porque, em junho de 2024, o STJ decidiu que determinados procedimentos comuns na praxe forense não atendem a condição estabelecida pelo STF que autoriza o compartilhamento de RIFs pelo COAF sem autorização judicial prévia , isto é, a existência de uma investigação formal prévia2.
Trata-se da Verificação de Procedência de Informações (VPI) e da Notícia de Fato (NF). Enquanto a primeira consiste em procedimento utilizado pela Polícia para realizar checagens preliminares antes de eventualmente instaurar um Inquérito Policial, a segunda caracteriza instrumento semelhante utilizado pelo Ministério Público antes de um Procedimento Investigatório Criminal (PIC). Mas ambas partilham uma mesma característica: antecedem uma investigação oficial e possuem como principal objetivo evitar apurações descabidas.
E entre as suas principais diferenças, há de se destacar que o Inquérito Policial ou o PIC são submetidos à ciência/controle do Poder Judiciário, enquanto a VPI ou NF são gerenciados internamente pela Polícia e Ministério Público.
Dessarte, ainda que não se tenha verificado uma verdadeira alteração do entendimento do STF, a decisão do STJ estabeleceu um critério de distinção importante para preservar minimamente a intimidade dos investigados. Afinal, o compartilhamento de RIFs sem autorização judicial prévia foi limitado apenas a procedimentos que possuem algum controle do Poder Judiciário – isto é, o Inquérito Policial e o Procedimento Investigatório Criminal.
Ocorre que, a despeito do relevante distinguishing realizado pelo STJ, a decisão em comento foi recentemente reformada por decisão monocrática no STF3.
Com efeito, ao apreciar impugnação da Procuradoria Geral de Justiça à mencionada decisão do STJ, o Ministro Relator no STF pugnou que a VPI e a NF seriam aptas a autorizar o compartilhamento de RIFs sem autorização judicial.
No momento, essa decisão ainda está pendente de avaliação pelos demais Ministros que compõem a Turma, mas desde logo não se pode ignorar mais uma demonstração de uma tendência atual: o recrudescimento no chamado combate ao crime e a consequente limitação de direitos fundamentais – nesse caso, com a exposição cada vez maior de informações sensíveis dos cidadãos.
E considerando que entre 2013 e 2023 o número de RIFs produzidos pelo COAF já aumentou em quase 670%, com o novo entendimento fixado pelo STF essa tendência deve ser incrementada de forma exponencial.
1 Disponível em: https://realeadvogados.com.br/2024/06/08/relatorios-do-coaf-rifs-e-a-desnecessidade-de-autorizacao-judicial-para-sua-utilizacao-em-investigacoes-criminais/
2 STJ, AgRg no RHC 187.335/PR, Relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/06/2024.
3 STF, Rcl 70191/PR, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Decisão Monocrática, proferida em 26/08/2024.
4 Dados divulgados pelo próprio COAF no primeiro semestre de 2024, disponível em: https://dados.gov.br/dados/organizacoes/visualizar/conselho-de-controle-de-atividades-financeiras